quinta-feira, 17 de junho de 2010

Ser tolerante...




Em se tratando de tolerância, elementar que rebusquemos na memória o seu precursor maior, John Locke. Este foi o principal filósofo (inglês) a elaborar uma teoria sobre a tolerância no século XVII. O debate em torno da questão da tolerância pôs-se desde sempre, dos mais diversos modos e nos vários domínios em que se exerce a atividade humana, mas foi com John Locke que teve especial desenvolvimento filosófico, tendo por contexto, no período moderno, a conceitualização em torno da sociedade civil e do Estado e questão de delimitação das esferas civil e religiosa. Àquela é uma sociedade de homens livres, constituída com o objetivo de preservar e promover os bens temporais, esta, ao invés, uma sociedade de homens livres, voluntariamente reunidos, com o objetivo de preservar e promover os bens espirituais. Segundo Locke, uma Igreja é uma sociedade de membros voluntariamente ligados para um fim comum, que está voltado para questões da alma. Por outro lado, nenhuma Igreja é obrigada pelo dever da tolerância a manter em seu seio qualquer pessoa que, depois de continuadas admoestações, ofenda obstinadamente as leis desta sociedade. A partir dessas idéias, Locke defende a liberdade religiosa em amplo sentido, e propõe a separação total dos poderes religioso e político. O filósofo considerava que as guerras, torturas e execuções, em nome da religião, eram na verdade culpa da intervenção das crenças religiosas na política. Entende que a comunidade (Estado) é uma sociedade de homens, constituída somente para que estes obtenham, preservem e aumentem seus próprios interesses civis. Por interesse civil, ele entendia a vida, a liberdade e a salva-guarda do corpo e a posse de bens externos. Portanto, o Estado tem como dever garantir a cada indivíduo esses direitos. As questões ligadas à fé não são de responsabilidade do Estado. Todo o poder do Estado relaciona-se apenas com os interesses civis. Muitos confundem tolerância com aceitação, Locke defende a tolerância com base no princípio grego da indiferença, ou seja, não se faz necessário aceitar como legítima ou verdadeira a crença alheia, bastando tolerar os diferentes cultos. Os diferentes grupos devem se tolerar mutuamente. Leciona o douto filósofo que a religião não deve invadir o campo do Estado, e, da mesma forma, o Estado não deve invadir o campo religioso. O Estado não pode intervir no seu funcionamento ou regulamentar os cultos a não ser que estes se revelem atentatórios do direito das pessoas ou do bom caminho da sociedade. É o princípio da laicidade do Estado que é aqui colocado, com uma nitidez sem precedentes. Em nome deste princípio, Locke reclama a igualdade de direitos para todos os cultos, sem diferença. O grande desafio que atravessa as nossas sociedades e Estados é a gestão de toda a diversidade resultante dessa crescente amplitude de mudanças no mundo. A multiculturalidade é um fenômeno transversal à maioria dos países, em que a existência de várias formas de vida quase nunca é fácil e ocasiona freqüentemente conflitos e rupturas. A tolerância aparece assim como o princípio orientador das nossas ações e das políticas do Estado num contexto não somente diferente como mais complexo. É fundamental que cada um respeite o outro por aquilo que ele é, ainda que seja diferente, e nenhum grupo ou indivíduo deve julgar o seu modo de vida como único e verdadeiro. Deste modo, urge pensar a tolerância nesta sua nova configuração, de modo a responder também aos desafios surgidos pelos crescentes processos de fragmentação social.

2 comentários:

  1. Eu sempre achei que a tolerância eo direito ao culto é inquestíoável, porém o fundamentalismo de algumas religiões e a prepotência de outras quer por costumes ou tradições acabam por criar um certo mau estar e afastamento quer dos crentes e alguma adversidade dos não crentes. Exemplo: apesar de Portugal ser um país predominantemente católico (sendo a maioria católica não praticante sendo isso uma contradição) não dá o direito aos párocos abusivamente ao domingo colocarem em autêntica poluição sonora autifalantes para o exterior do local de culto e que se ouve a quilómetros a respectiva missa, e o resto do dia cânticos religiosos. Imaginemos que os outros credos faziam o mesmo? É a prepotência e mesmo atitudes arrogantes ou fanáticas que o mundo actual tende a afastar-se dos credos, a quem deveria exigir a si mesmos a tolerância e o respeito, como também deve ser a todos os outros cidadãos crentes ou não.
    Beijos de bom fim de semana

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  2. Dra!!! Aluna aplicada de filosofia! Parabéns pelo texto. Um colega/fã. bjs

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