segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Melancolia Filosófica

Mas antes de me lançar nessas imensas profundezas da filosofia que se apresentam diante de mim, vejo-me inclinado a deter-me um instante em minha presente situação, e a avaliar essa viagem a que me propus fazer e que sem dúvida requer o máximo esforço e arte para ser concluída com sucesso. Sinto-me como um homem que, tendo encalhado em muitos recifes e tendo escapado com grande dificuldade de um naufrágio em um pequeno estreito, tem ainda a temeridade de retornar ao mar no mesmo navio avariado e castigado pelo mau tempo, e ainda carrega a sua ambição tão longe a ponto de percorrer o globo nessas circunstâncias desvantajosas. Minha memória dos erros e da perplexidade do passado tornaram-me desconfiado do futuro. (...) Nada é mais perigoso à razão do que os vôos da imaginação.Mas, por um lado, se a consideração dessas instâncias me leva a rejeitar todas as sugestões triviais da imaginação e a aderir ao entendimento; essa mesma essa rejeição, se executada com sucesso, seria perigosa. O entendimento, quando atua sozinho, subverte-se a si mesmo inteiramente, e não deixa o menor grau de evidência em qualquer proposição, seja em filosofia, seja na vida comum..Será que temos, então, de estabelecer como máxima geral que nenhum raciocínio elaborado ou refinado deva ser aceito? Por tal meio eliminamos totalmente toda ciência e toda filosofia. Se aceitamos tal princípio, chegamos aos maiores absurdos. Se o recusamos em favor desses raciocínios, subvertemos inteiramente o entendimento humano. Reflexões muito refinadas têm pouco ou nenhuma influência em nós; e no entanto não podemos estabelecer como regra que elas não tenham qualquer influência.Quando então me canso de tanto divertimento e companhia, e tendo sido levado à meditar em meu quarto, ou em um passeio solitário ao longo do rio, sinto a minha mente completamente absorta em si mesma, e me vejo naturalmente inclinado a conduzir a minha visão a todos esses assuntos sobre os quais encontrei tanta disputa no curso da minha leitura e conversação.Não posso deixar de ter curiosidade acerca dos princípios morais do bem e do mal, a natureza e o fundamento dos governos, e a causa dessas tantas paixões e inclinações que atuam em mim e me governam. Me sinto desconfortável em pensar que aprovo um objeto e desaprovo outro; que chamo algo de belo e algo de feio; que decido a respeito da verdade e da falsidade. Sem saber com base em quais princípios eu procedo...Sinto uma ambição crescente em mim de contribuir para a instrução da humanidade.Esses sentimentos surgem naturalmente em minha presente disposição.Sinto que deva ser um perdedor no que concerne ao prazer; e essa é a origem da minha filosofia.
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David Hume. In, Treastise of Human Nature.

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