sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Amor


Amor ominus idem. Temos que recorrer a uma imagem física: é o estofo da natureza bordado pela imaginação. Se quiseres ter uma idéia do amor, vai ver os pardais e os pombos do teu jardim; repara no touro que levam a tua novilha; olha para esse soberbo cavalo que dois dos teus moços conduzem à égua, que o espera tranquila, revirando a cauda para o receber. Observa o chamejar dos seus olhos; ouve-lhe os relinchos; contempla aqueles saltos, aquelas curvetas, aquelas orelhas erguidas, aquela boca que se abre com ligeiras convulsões, o afiar daquelas narinas, o sopro inflamado que delas sai, as crinas que se encrespam e esvoaçam, o movimento impetuoso com que ele se lança sobre o objeto que lhe foi destinado pela natureza. Mas não o invejes; pensa nas vantagens da espécie humana, que compensa em amor todas que a natureza concedeu aos animais - força, beleza, destreza, celeridade. Há mesmo animais que não conhecem o gozo. Carecem desse prazer o peixe sem escama; a fêmea deposita na vasilha milhões de ovos e o macho, que os encontra, passa sobre eles e os fecunda com o semen, sem indagar a que fêmea pertence. A maioria dos animais que copulam só experimentam prazer em único sentido; satisfeito o apetite nada mais importa. Nenhum animal, fora de ti, sabe de abraços; todo o teu corpo é sensível, teus lábios, sobretudo, desfrutam de uma volúpia que nada cansa, e esse prazer só é próprio de tua espécie. Podes, enfim, entregar-te ao amor a qualquer hora, enquanto os animais têm sua época determinada. Se refletires sobre estas superioridades, dirás com o conde de Rochester: "O amor, num país de ateus, faria adorar a Divindade".

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Voltaire

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