quinta-feira, 22 de julho de 2010

Santo Agostinho - O Livre Arbítrio


O Problema do Mal


Na obra Livre Arbítrio, Agostinho trata da existência do mal, abordando a sua essência e origem. De igual forma, trata de provar a existência de Deus, bem como de expor a relação existente entre a vontade do homem com o mal e do pecado e da presciência de Deus. Através do Livre Arbítrio, Agostinho objetiva reparar os danos causados por ele a seus amigos no momento maniqueísta de sua vida, apesar das raras referências diretas. As respostas de Santo Agostinho nesta obra, carregadas da genial lógica de raciocínio que lhe é peculiar, são consideradas como uma batalha travada contra os maniqueus, acadêmicos e pelagianos e mantêm sua eficácia e validade ainda entre os autores de nosso tempo, sendo utilizada como referência quando se trata de questionar “o mal como fruto do livre arbítrio da vontade do homem”. Agostinho utiliza-se da inspiração adquirida a partir das leituras de obras filosóficas que fizera de Cícero, Porfírio ou Plotino para argumentar de forma racional, portanto filosófica, na obra Livre Arbítrio. Os argumentos de Santo Agostinho, bem como seu raciocínio, são sempre cristãos, o que nos leva a concluir que a obra em questão é fruto de sua fé e de sua inteligência. O Santo busca apoio nas Escrituras Sagradas para fundamentar todos os seus argumentos e utiliza-se da filosofia, ainda que tudo venha a ser filtrado por sua reflexão pessoal, para racionalmente argumentar sobre os fatos de que trata em sua obra. O douto filósofo fundamenta sua obra sob o prisma do Livro de Isaías "se não credes, não entendereis". Na presente obra, Santo Agostinho persiste na necessidade de somar à inteligência a substância da fé. Agostinho, para não encurtar o caminho, procura não recorrer à fé, sem que se possa alcançar a inteligência, com a intenção de mostrar que a fé não é negada pela razão, ou vice-versa, mas que, sendo a verdade universal e eterna, pode ser captada finalmente por ambas. Ao iniciar seu diálogo com Evódio, este lhe pergunta se seria Deus o autor do mal. Agostinho discorre sobre a natureza do mal, objetivando, antes de responder à indagação do amigo, saber qual o objeto de sua investigação, para depois procurar a resposta sobre a origem desse objeto. No diálogo, Agostinho conduz seu amigo Evódio à compreensão de que o mal não possui substância, que o mal não é nada, afirmando que não existe outra realidade que não seja a vontade própria e o livre arbítrio que torne a mente humana escrava das paixões, "pois sem o livre arbítrio, não haveria mérito ou demérito, glória nem vitupério, responsabilidade nem irresponsabilidade, virtude nem vício", diz Agostinho. A questão é introduzida por Evódio, que deixa claro que adota os mesmos princípios que Agostinho adotara em sua juventude. Evódio, em busca da origem do mal: "Mas Deus não pratica o mal, pois tu sabes (por demonstração racional), ou acreditas (por assentimento testimonia) que Ele é bom, nem o contrário se pode admitir. Por outro lado, visto professarmos que Deus é justo, pois negá-lo é também sacrilégio, Ele assim como confere prêmios aos bons, assim inflige castigos aos maus, e tais castigos são evidentemente males para os que os sofrem. Deste modo, se ninguém é injustamente punido – o que temos de acreditar, pois acreditamos que o Universo é regido pela providência divina – Deus é o autor deste segundo gênero de males; do primeiro, porém que se referiu, não o é de modo nenhum". Preconiza Agostinho que agir objetivando a restituição à ordem perdida não é um mal, sendo considerado como tal apenas por aqueles que são “vítimas” de tal correção e que não se dão conta de que serem corrigidos por Deus é um bem. No tocante à culpabilidade de Deus seria culpado por ter dado ao homem a capacidade de escolher entre o bem e o mal com o seu livre-arbítrio, Agostinho diz à Evódio que o mal se traduz em desejo culposo (concupiscência), como nos casos de adultério, homicídio e sacrilégio, considerados graves pela Igreja. Ensina que, ainda que os membros do nosso corpo se tornem instrumentos de mal e se empenhem em coisas más, não deixam de ser, em si, um bem; da mesma forma, o livre-arbítrio. Deus só poderia ser culpado se o mal tivesse suas raízes na essência do livre-arbítrio; porém, o mal existisse um ser mais excelente que o homem sábio, que se deixa conduzir pela razão, ele jamais poderia constrangê-lo a entregar-se às paixões, pois a força de tal ser residiria em sua grandeza de virtudes. Ele não seria injusto e, conseqüentemente, nunca forçaria a mente a se submeter à paixão. Tal ser somente poderia ser Deus, e Deus, como já se comprovou, não forçaria uma queda de virtudes, porque senão, não seria Deus. Cumpre-nos abordar a essencial questão para a doutrina moral e social de Agostinho: a da lei temporal e lei eterna. A lei moral, segundo Santo Agostinho, é extremamente necessária à sociedade, geradora do equilíbrio e da justiça no Estado; cuida para que todos sejam iguais, com direitos e deveres, tendendo sempre ao bem comum e regulando externamente as paixões. Mas, como é feita por homens que pertencem à categoria das coisas que podem perecer e mudar sujeitos ao fluxo do tempo, e que podem desvirtuar-se de seu justo e bom intento, quando o possuem, tal lei é mutável e imperfeita. Argumenta Agostinho que essa lei é exterior e adaptável, que não consegue ater-se a tudo, e por isso mesmo não deixa de dar abertura à tolerância de outros tantos crimes. E, mesmo quando visa salvaguardar a classe de bens (saúde, integridade dos sentidos, beleza, pais, irmãos, cônjuges, pátria, honra, dinheiro) o que ordena esta lei é precisamente que o homem se apegue ao amor das coisas temporais e passageiras. Depreende-se que "(...) o poder vindicativo desta lei não se estende mais que a privar e tirar. Ao que é punido, os referidos bens ou alguns deles". Conseqüentemente, ela reprime pelo medo, e dobra e redobra ao que ela exige os espíritos dos infortunadas, para cujo governo está ajustada. Estes, de fato, receando perder tais bens, mantêm no seu uso certo limite, adequado à união da cividade, a qual pode ser constituída por homens de semelhante condição. E assim, a lei não castiga o pecado quando esses bens se amam, mas sim quando eles são arrebatados aos outros por improbidade.No tocante à segunda lei a que nos referimos (eterna), proveniente da presciência e providência de Deus, nada esquece e de tudo se ocupa, não deixando impunes nem mesmo os crimes tolerados pela lei temporal.Leciona Agostinho "ser esta a única lei, a partir da qual derivam todas essas leis temporâneas, feitas para governar os homens". Tudo o que a lei temporal possui de justo e legítimo é sempre decorrente da lei eterna, que compreende uma ordem perfeita. Aqueles que se deixam conduzir por essa lei eterna se servem das coisas e dos bens sem se deixarem escravizar por eles, mostrando, assim, que as coisas em si são bens neutros, que podem ser usadas de modo bom ou mal, sendo os que as usam mal aqueles que se submetem a eles que lhes deveriam estar submissos. Destarte, quem se serve das coisas de modo ordenado as torna melhores, possuindo-as e governando-as quando necessário, e mesmo, estando prontos a perdê-las. Não se pode, pois, condenar o ouro e a prata por causa dos avarentos; as coisas não são más por elas mesmas; são os homens que podem fazer bom ou mau uso delas. Agostinho afirma que a força de fazer o homem não aderir ao “bem” só pode vir de sua vontade livre. A lei eterna como que impele o homem a desejar o bem. Nos ensinamentos de Agostinho, nos é dado saber que de modo algum o ser pode estar privado de virtude, qualquer que ele seja, a que é possível estar acima da mente exortada de virtude. Ressaltamos que, segundo Agostinho, é importante deixarmos claro que há uma distinção, ainda que sutil, entre liberdade e vontade, ou livre arbítrio, pois para o filósofo vontade e livre arbítrio são a mesma coisa e fazem parte da essência do homem. Traçando comparações entre a liberdade e o livre arbítrio, a diferença é que o livre arbítrio seria a capacidade de escolha que está presente no homem e a liberdade como a eficácia que essa escolha alcança ao aderir à verdade. Assim, a liberdade, seria a capacidade que o homem tem de escolher o bem e evitar o mal. Em sendo assim, a liberdade do homem se realiza plenamente quando este adere, por livre vontade, ao bem, afastando-se do mal; quando se distancia da ausência e acolhe o Ser. O douto teólogo eleva, sobremaneira, a vontade do homem, ou seja, sabe que nada na natureza, principalmente a mais excelente das criaturas, pode ser contrário a Deus. O homem ainda que mutável e criado do nada, apenas pode falhar por ser livre em sua vontade. Ao ser questionado a respeito da causa de agirmos mal, Agostinho afirma "esta foi uma das questões que mais o atormentou e impeliu (...), exausto, para os hereges". Afirma o Santo que se não houvesse alcançado a ajuda divina, não teria podido emergir de lá, e reviver para a primeira liberdade de investigar. Mais adiante, Agostinho argumenta que com a ajuda de Deus, as coisas árduas e difíceis, tornam-se claras e simples. Neste quesito, o Santo nos indica o caminho para que percebamos o que é necessário para alcançarmos a Verdade, ou seja, que tenhamos uma vontade reta e desejosa de encontrá-la, e, esta nunca pode estar separada do auxílio da graça divina, que a todos deseja conduzir a um encontro com essa Verdade, sem a qual o caminho seria impossível. Não há um confronto entre a graça e o Livre Arbítrio na doutrina agostiniana. Deus dá o livre arbítrio para que ele seja um instrumento cooperador da graça, e assim, o homem chegue à Verdade. Poder-se-ia querer dizer que Agostinho negue a necessidade da graça no livro primeiro do “Livre Arbítrio”. Na obra, Agostinho refere-se ao livre arbítrio, e não à necessidade da graça, trata da origem do mal com a intenção de negar sua antiga crença no dualismo maniqueu. Defende a vontade humana e a graça divina ao mesmo tempo, porém se detém no primeiro aspecto com mais insistência. Agostinho não se cansa de repetir que é a inteira liberdade do homem para fazer o bem e que não é coagido a cometer o mal por nenhuma necessidade. Apenas e tão somente o próprio homem é culpado por seu pecado, não devendo imputar a outrem, a responsabilidade pelo mal acarretado por sua vontade livre. Óbvio que Agostinho não poderia pensar de outra maneira, vez que era amante da honestidade e da verdade. Conclui Agostinho que, a força que impele o homem a não aderir ao bem só pode vir de sua livre vontade, vez que a lei eterna impele o homem a desejar o bem:"Por agora, é-nos certamente dado saber que de modo nenhum pode estar privado de virtude o ser, qualquer que ele seja, a que é possível estar acima da mente exortada de virtude. Por tal razão, nem mesmo esse ser, embora tenha capacidade, constrangerá a mente a escravizar-se à iniância (...) Segue-se, portanto, que nenhuma outra realidade torna a mente escrava da iniância, senão a própria vontade e livre arbítrio". Interessante quando Agostinho afirma que nem todo aquele que vive, sabe que vive, quando da abordagem com relação à superioridade do homem em relação aos outros animais. Ratificamos o pensamento de Agostinho quando alude ao fato de que apesar de os outros animais deterem alguma superioridade com relação ao homem, este, jamais será subestimado pelo animal (irracional, digamos).Descobrimos e reputamos de suma importância que – segundo os ensinamentos de Agostinho - "a mente é diferente de razão, no entanto, somente a mente se serve da razão, ou seja, aquele que detém a razão detém a mente. Entretanto, é necessário a firmeza da fé". Por fim, da leitura extraímos (e já tínhamos essa convicção) que realmente o mal não provém de Deus, posto que Deus é a fonte dos conhecimentos perfeitos e seu amor é infinito. O mau uso do livre arbítrio que nos foi legado, é que nos leva a praticar o mal.
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Sou admiradora, incondicional, de Santo Agostinho.

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