domingo, 14 de março de 2010

Santo Agostinho: a verdade e a felicidade residem em Deus



Para Santo Agostinho, o homem pode conhecer apenas pela graça divina, mas tem o dever moral de preparar sua alma e seu corpo para receber esta luz e de fazer bom uso do livre-arbítrio. No Livro VII das Confissões e no diálogo O Livre Arbítrio, Agostinho argumenta especificamente sobre o problema do mal. Tem ele o mal como algo presente, e nos primeiros livros das Confissões, identifica-o em sua infância e na sua juventude libertina, ocorridas antes do episódio de agosto de 386 que o levou à conversão, e antes de sua convivência com Santo Ambrósio, que o batizou e a quem chama de agente de Deus. Sendo Deus eterno e imutável, autor de coisas muito boas, qual é, então, a origem do mal? Agostinho sabe, quando isto pergunta, que a origem do mal é tradicionalmente explicada pela Igreja Católica com a queda do Arcanjo Lúcifer. Embora as referências Bíblicas ao Maligno como ex-Arcanjo sejam escassas, e o próprio nome Lúcifer (formado a partir do latim lux ) e a hierarquia angelical tenham sido forjadas com o decorrer da Idade Média, ainda assim encontramos algumas passagens bíblicas que ilustram bem este tema daqueles que querem ser como Deus e por isso são punidos. (...) No capítulo 3 do livro VII das Confissões, Agostinho se pergunta, a respeito de Lúcifer: “E se por uma decisão de sua vontade perversa, se transformou de anjo bom em demônio, qual é a origem daquela vontade má com que se mudou em diabo, tendo sido criado Anjo perfeito, por um criador tão bom?”. Logo, não ignora o problema da origem do mal, tal qual a Igreja Católica o explica, mas vai ainda além, perguntando a origem da perversão da vontade nas criaturas boas criadas por Deus. A argumentação segue considerando que, naturalmente, o mal não provém de Deus, mas está nas coisas criadas e na matéria. As coisas criadas “não existem absolutamente nem totalmente deixam de existir” (Livro VII, cap 11). As coisas existem enquanto participam da Suma Existência, daquele que é, do Imutável, e deixam de existir quando se afastam dele. As coisas que se corrompem são boas ao menos em parte, pois não haveria o que se corromper se fossem totalmente más. Porém, não são como Deus, absolutamente boas, pois se assim fosse seriam incorruptíveis. Assim, o mal ocorre quando as criaturas se afastam de da existência, ou seja, o mal não existe propriamente, mas é um não-ser. Tudo é verdadeiro enquanto existe e a falsidade só ocorre quando se toma por existente o não existente. Agostinho no capítulo 16 do livro VII, chega à definição do mal como uma perversão da vontade desviada da Substância Suprema – Deus. Se Deus é a Suma Existência e a Suma Bondade, os seres para alcançar a verdade têm de procurá-lo. Julgar que o caminho para se atingir a verdade seja humano, ou dependa apenas de esforços humanos, constitui soberba, pois a verdade é externa e independente do homem. Para Agostinho, o conhecimento da Verdade depende em última instância da Graça Divina, que agracia apenas alguns escolhidos. Qual é o dever moral do homem então, qual é o seu campo de ação, se ele parte em busca da verdade sem saber se a vai encontrar? (...) Agostinho destoa tanto dos aristotélicos, quanto dos estóicos e epicuristas em sua concepção de felicidade. Os primeiros tomam a felicidade como uma atividade da alma em consonância com a virtude, os segundos como um vigor da alma e os terceiros como a vontade do corpo. Para um cristão, porém, a felicidade é um dom de Deus. Não obstante, o homem deve procurá-la através da purificação da alma. Para purificar a alma o homem tem de reconhecer a condição miserável da humanidade após o pecado original, e tem de ter a humildade de reconhecer o a felicidade como alheia a si. O homem tem de se tornar digno de receber a graça. A idéia da ascese da alma é muito importante também para os platônicos e neoplatônicos, que influenciaram Agostinho profundamente. Mas Agostinho vê nesta doutrina o erro crucial de Porfírio, por não ter reconhecido que o verdadeiro caminho não é humano, mas provém do Absoluto, de Deus. O homem é mais especial que as outras criações de Deus, e que os outros seres dotados de alma (animais), pois tem uma alma racional. O homem é especial porque foi feito à imagem e semelhança de Deus. No Gênesis, antes da queda, Deus concede ao homem que usufrua livremente da terra. Para Agostinho, a semelhança do homem com o seu criador é a razão. Deus, conhecedor de todas as coisas, possui também a razão infinita. Porém a razão humana está corrompida, e distante da divina. O homem tem um “déficit moral”, e por isso não consegue cumprir plenamente a sua natureza de animal racional. E mesmo os bebes já nascem no pecado (1), como exemplifica Agostinho em sua autobiografia, quando se recrimina pelo seu deleite durante o amamentamento. Os desejos e as paixões impedem um bom uso da razão, e impedem uma vida contemplativa. Mesmo ao se recolher em seu monastério, se entregando à devoção religiosa ao lado de companheiros como Alípio e Evódio, Agostinho nunca conseguiu se livrar das preocupações mundanas. Era afastado do otium intelectuale , por exemplo, pelas suas obrigações com o povo em suas funções sacerdotais ou familiares. (...) Ao homem foi dado o poder de escolher, e, sabendo o que é mal e o que é bem, pode escolher entre os dois, e pode, portanto, se afastar do Bem do Supremo Ser. Ele passa a poder querer o mal, e é sobre este ponto de vista que a purificação da alma deve ser entendida. Esta é necessária para a escolha certa quando a graça se apresentar. A liberdade, para Agostinho, vem a ser a capacidade consciente e reflexa que tem o espírito de determinar por si e espontaneamente, a querer e preferir acima de tudo o Bem absoluto e perfeito, do modo que este se lhe apresente, e nunca preferindo nada contrário. Deus, do alto, abarca a todos aqueles que o invocam com um olhar e pode iluminar alguns com sua graça. Muitos são chamados, mas poucos escolhidos. Esta é a causa dos pecados da humanidade, o livre-arbítrio. Pela perversão da vontade o homem escolhe a privação do ser. Este quadro só encontra redenção em Jesus Cristo, o mediador entre Deus e os homens. O cristão tem de aceitar pela fé o mistério da Trindade, que Jesus Cristo é o verbo encarnado, vindo ao mundo terrenos e morto pelos homens, para redimir a humanidade. É preciso pois, que o homem tenha fé, e acredite em algo além de si e do mundo sensorial, em algo invisível. Precisa ter a humildade de admitir seu “déficit moral” e que o caminho da verdade lhe é extraposto. A purificação da alma para receber a revelação é feita de várias formas. Agostinho defende ardorosamente um ascetismo, chegando a condenar o casamento e a procriação, e a cantar a maravilha do celibato. O homem precisa se livrar das paixões, e por paixões entende-se tudo aquilo que move (ou comove) a alma. Somente uma alma estável é capaz de perceber a Idéia. Para esta elevação do espírito, é necessário também o auto-conhecimento. (...) No Livro X das Confissões, Agostinho faz uma brilhante exposição sobre a memória, chegando mesmo a dizer que a memória é o espírito, ou a parte mais importante da alma humana. Nesta exposição está contida o grosso da doutrina Agostiniana de reminiscência, e suas adaptações em relação ao platonismo. (...) Para Agostinho, todos os homens querem ser alegres e felizes, mas a verdadeira alegria só vem de Deus. A carne e seus apelos, a matéria, podem levar o homem a confundir-se e fazer aquilo que pode fazer, mas não aquilo que realmente quer fazer. Deus é a felicidade porque é a verdade. E a alegria reside na verdade. Esta é uma só, e Deus a sua fonte. Reside ela na memória, pois, como exemplifica Agostinho, desde o episódio de sua iluminação em que encontrou a serenidade de espírito, Agostinho encontrou sempre a mesma verdade, e dela se lembrou. Desde que conheceu a Deus, dele se esqueceu, e este permanece em sua memória como fonte de suas delícias. O homem deve invocar a Deus, mas este já habita nele. Para voltar a encontrar a verdade, tem de purificar sua alma, livrando-se principalmente do orgulho e da soberba, das comoções da carne, seguindo exemplo de Jesus Cristo, que foi ao mesmo tempo Deus e homem, verbo imortal e carne perecível. Este morreu para salvar o homem do pecado original. (adaptado de consciencia.org)____
1. Não concordamos...

2 comentários:

  1. Não será a feliciade algo tão abstracto que a inclusão de Deus na busca da mesma é uma forma de sublimação da espécie humana?

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  2. Não exaltação da especie humana, mas exalta-la, uma parcela, a que encontrar Deus em si através do uso da razão, abstendo-se dos prazeres da carne (ressalte-se prazeres da carne em demasia, pois, é inerente ao ser humano procriar-se e o desejo a isso, logo, se dá através dos prazeres da carne), de forma que nos desvie do caminho pra felicidade, que é o bem comum do homem. Lembre-se que o homem é insatisfeito por natureza, assim, a felicidade é momentânea e a busca pela mesma têm de se dar pelos meios viáveis, corretos, logo a felicidade não será duradoura e pura se adquirida pelos meios ilícitos, como expões Aristóteles em sua Ética a Nicômaco, sendo Deus o único caminho pra uma felicidade pura, verdadeira e duradoura. Justo Lopes- Fortaleza- Ce
    (não sou cristão)

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