quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Afinidade...


A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,delicado e penetrante dos sentimentos. O mais independente. Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,as distâncias, as impossibilidades. Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido. Afinidade é não haver tempo mediando a vida. É uma vitória do adivinhado sobre o real.Do subjetivo sobre o objetivo. Do permanente sobre o passageiro. Do básico sobre o superficial. Ter afinidade é muito raro. Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar. Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas. O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simplese claro diante de alguém com quem você tem afinidade. Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmosfatos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar palavra. É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento. Afinidade é sentir com. Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo. Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado. Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios. Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo. É olhar e perceber.É mais calar do que falar.Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar. Afinidade é jamais sentir por.Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.Mas quem sente com, avalia sem se contaminar. Compreende sem ocupar o lugar do outro.Aceita para poder questionar.Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar. Só entra em relação rica e saudável com o outro,quem aceita para poder questionar. Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar,não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é. E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso. Isso é afinidade.Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceitao outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.Questionamento de afins, eis a (in)fluência. Questionamento de não afins, eis a guerra. A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.Independente dele. A quilômetros de distância. Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar. Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar,por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,veremos ou falaremos. Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saempara buscar sintomas com pessoas distantes,com amigos a quem não vemos, com amores latentes,com irmãos do não vivido? A afinidade é singular, discreta e independente,porque não precisa do tempo para existir. Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceuo vínculo da afinidade!No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação exatamente do ponto em que parou. Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidasnem pelas pessoas que as tem. Por prescindir do tempo e ser a ele superior,a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidadesancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós,para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes. Sensível é a afinidade.É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido. Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau,porque o que define a afinidade é a sua existência também depois. Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai consegui rrestituir o clima afetivo de antes,é alguém com quem a afinidade foi temporária. E afinidade real não é temporária. É supratemporal.Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta,ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade. A pessoa mudou, transformou-se por outros meios. A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas,plantios de resultado diverso. Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças,é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,quantos das impossibilidades vividas. Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,sem lamentar o tempo da separação. Porque tempo e separação nunca existiram.Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,para que a maturação comum pudesse se dar. E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,a expressão do outro sob a forma ampliada erefletida do eu individual aprimorado.
(GERSON BERLIETT)
_______
Quanto tempo!!! E você não se esqueceu da minha paixão pela poesia... Amei...!!! Grata!

Nenhum comentário:

Postar um comentário